1 de fevereiro de 2018

Pelos vencidos


[...] “A justiça há-de ser para nós amparo criador, consolação 

e aproveitamento das forças que andam desviadas; há-de ter 

por princípio e por fim o desejo de uma Humanidade melhor; 

há-de ser forte e criadora; no seu grau mais alto não a 

distinguiremos do amor.
   Por isso mesmo estarás sempre ao lado dos vencidos que se 

tratam com arrogância, com brutalidade ou com desprezo; 

não te importarás que as suas ideias sejam diferentes das tuas, 

mover-te-á o olhares que são homens e não hás-de duvidar nem 

um momento da infinita possibilidade que neles há de um mais 

definido pensamento e de um mais perfeito proceder; não os vejas 

condenados para sempre à mesma estrada que tomaram; que exista 

para ti a esperança das reflexões e dos regressos.
   Ao teu amigo ou adversário dirás sempre a verdade a respeito dos 

vencidos, sem que te impeçam o afecto ou o ódio: levanta a voz, 

seja qual for o lugar ou o instante, a favor dos que, tombados na 

luta, ainda têm de sofrer as prepotências; protesta, enquanto te 

deixarem protestar, contra a vileza, contra a cobardia dos que esmagam 

quem têm à mercê, dos que torturam os corpos e as mentes, dos que 

se armam contra os desarmados; e, quando não te deixarem protestar, 

protesta ainda.
  Nessa batalha a ninguém feres; vais servir os próprios que censuras; 

pode ser que às tuas palavras se convertam os Césares e deixe o centurião 

tombar a espada; pode ser que os cativos se redimam; mas, se nada 

conseguires de imediato, terás dado ao mundo um exemplo de liberdade 

interior e de firme coragem; terás lançado a tua pedra – e não das menores  – 

para a grande construção; terás ganho para a vida uma força ante a qual, 

mais tarde, se hão-de aplanar os ásperos caminhos e abater os 

alterosos obstáculos.”
  
Agostinho da Silva, in Textos e Ensaios Filosóficos I, 

Âncora Editora, Abril 1999 (p.112,113)