“Valioso para mim é a noção de que o que importa não é tanto educar, mas evitar que os seres humanos se deseduquem. Cada pessoa que nasce deve ser orientada para não desanimar com o mundo que encontra à volta. Porque cada um de nós é um ente extraordinário, com lugar no céu das idéias...
Seremos capazes de nos desenvolver, de reencontrar o que em nós é extraordinário e transformaremos o mundo.”
"Há muita gente que julga que a cultura é falar francês, dançar bem, ouvir música e ter visitado exposições de pintura. Isso talvez fosse a cultura de outras épocas, mas hoje não. Hoje temos que tomar cultura no sentido geral, mais próximo e no mais concreto da vida. Cultura, no fundo, é a maneira de ser de cada um. Exatamente como todos nascemos, com tais características, e o que acontece depois na vida é que se vai destruindo muitas dessas características e como eu costumo dizer, quase todas as pessoas morrem sem nunca ter vivido... viveram uma vida emprestada, viveram a vida dos outros.
Assim como nós fisicamente, nos cinco bilhões de pessoas, não há dois iguais por fora, no feitio do nariz ou na cor dos olhos, da mesma maneira não há duas pessoas iguais por dentro. As pessoas todas são diferentes. De maneira que a vida certa (do universo) do mundo inteiro seria que cada um pudesse viver a sua vida e cada um dos outros pudesse ter esse espetáculo extraordinário de ver pessoas diferentes à sua volta e não como tantas vezes acontece, sobretudo em pessoas que gostam de mandar nos países, achar que deve ser tudo igual, e quando aparece alguém diferente se ofendem, acham que está fugindo das regras, saindo da vida que deve ter.
Os meninos devem ser estimulados a desenhar ou a redigir aquilo por que têm interesse, contar a sua história, seja em imagens, no desenho ou pintura, seja redigindo em verso por exemplo. Escolas em que os meninos sejam incitados a fazer poesia e que descobram que afinal, os poetas não são seres extraordinários. Não. Eles foram apenas os que tiveram mais sorte que os outros. Encontraram circunstâncias na vida, na casa em que se criaram, nas escolas em que andaram, na vida material que tiveram que lhes permitiu conservarem-se poetas, ao passo que outros que também nasceram poetas... Porque não existem só poetas de verso. A idéia de que a pessoa tem de se dizer poeta porque faz verso, não é verdade. Poeta é aquele que cria na vida alguma coisa que na vida não existia. Não existia aquele poema, ele criou, pronto, é poeta. Mas pode ser uma música que ele compôs, um bailado por exemplo. Pode ser qualquer experiência de Química ou de Física que não se tenha feito. Qualquer avanço da Matemática, por exemplo, que conseguem.
Em Portugal existe um painel no Museu das Janelas Verdes, uma pintura do sec. XV que representa o dia em que se celebrava o Espírito Santo. E o dia em que se celebra o Espírito Santo era o dia em que o povo português dizia aquilo que queria. Sabem o que ele queria nesse dia? Que todas as crianças fossem de tal modo livres e desenvolvidas que pudessem dirigir o mundo pela sua inteligência, pela sua imaginação, não propriamente por saberem aritmética ou ortografia, mas por serem eles próprios, porque eram os pequenos, as crianças que deviam dar ao mundo e aos homens, o exemplo do que devia ser a vida. E em segundo lugar eles diziam que a vida devia ser gratuita, que ninguém tinha que pagar para viver e que trabalhar para viver. Que tendo a vida sido dada de graça, era inteiramente absurdo, passar o resto da vida a ganhá-la. E eles então achavam que a vida um dia há de ser de graça para toda a gente.
E ainda uma coisa extremamente importante. Iam à cadeia da terra e abriam as portas para que todos os presos saíssem, para que ninguém mais passasse a vida amuralhado e encerrado entre grades; que viesse para a vida e na vida se retemperasse e na vida renascesse para ser aquilo que devia ser. Era uma anistia talvez. Um sinal de que um dia o crime desaparecerá do mundo..."
Texto adaptado da conferência Namorando o Amanhã, realizada em maio de 1989
na Cooperativa de Animação Cultural de Alhos Vedros - Portugal.
Agostinho da Silva, professor, escritor, poeta e filósofo. Nasceu no Porto em 1906 e fez a passagem em Lisboa, 1994. Possui uma obra extensa em Educação e Cultura Portuguesa e Brasileira. Viveu 25 anos no Brasil, de 1944 a 1969 e aqui deixou muitos discípulos e amigos. Ajudou a criar quatro universidades: na Paraíba, Santa Catarina, Bahia e Brasília onde fundou o CBEP Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, muito atuante até 1968 quando a UnB foi invadida pelos militares. Construiu ao longo de sua vida uma obra luminosa e revolucionária de luta pela educação e a cultura.
"Há muita gente que julga que a cultura é falar francês, dançar bem, ouvir música e ter visitado exposições de pintura. Isso talvez fosse a cultura de outras épocas, mas hoje não. Hoje temos que tomar cultura no sentido geral, mais próximo e no mais concreto da vida. Cultura, no fundo, é a maneira de ser de cada um. Exatamente como todos nascemos, com tais características, e o que acontece depois na vida é que se vai destruindo muitas dessas características e como eu costumo dizer, quase todas as pessoas morrem sem nunca ter vivido... viveram uma vida emprestada, viveram a vida dos outros.
Assim como nós fisicamente, nos cinco bilhões de pessoas, não há dois iguais por fora, no feitio do nariz ou na cor dos olhos, da mesma maneira não há duas pessoas iguais por dentro. As pessoas todas são diferentes. De maneira que a vida certa (do universo) do mundo inteiro seria que cada um pudesse viver a sua vida e cada um dos outros pudesse ter esse espetáculo extraordinário de ver pessoas diferentes à sua volta e não como tantas vezes acontece, sobretudo em pessoas que gostam de mandar nos países, achar que deve ser tudo igual, e quando aparece alguém diferente se ofendem, acham que está fugindo das regras, saindo da vida que deve ter.
Os meninos devem ser estimulados a desenhar ou a redigir aquilo por que têm interesse, contar a sua história, seja em imagens, no desenho ou pintura, seja redigindo em verso por exemplo. Escolas em que os meninos sejam incitados a fazer poesia e que descobram que afinal, os poetas não são seres extraordinários. Não. Eles foram apenas os que tiveram mais sorte que os outros. Encontraram circunstâncias na vida, na casa em que se criaram, nas escolas em que andaram, na vida material que tiveram que lhes permitiu conservarem-se poetas, ao passo que outros que também nasceram poetas... Porque não existem só poetas de verso. A idéia de que a pessoa tem de se dizer poeta porque faz verso, não é verdade. Poeta é aquele que cria na vida alguma coisa que na vida não existia. Não existia aquele poema, ele criou, pronto, é poeta. Mas pode ser uma música que ele compôs, um bailado por exemplo. Pode ser qualquer experiência de Química ou de Física que não se tenha feito. Qualquer avanço da Matemática, por exemplo, que conseguem.
Em Portugal existe um painel no Museu das Janelas Verdes, uma pintura do sec. XV que representa o dia em que se celebrava o Espírito Santo. E o dia em que se celebra o Espírito Santo era o dia em que o povo português dizia aquilo que queria. Sabem o que ele queria nesse dia? Que todas as crianças fossem de tal modo livres e desenvolvidas que pudessem dirigir o mundo pela sua inteligência, pela sua imaginação, não propriamente por saberem aritmética ou ortografia, mas por serem eles próprios, porque eram os pequenos, as crianças que deviam dar ao mundo e aos homens, o exemplo do que devia ser a vida. E em segundo lugar eles diziam que a vida devia ser gratuita, que ninguém tinha que pagar para viver e que trabalhar para viver. Que tendo a vida sido dada de graça, era inteiramente absurdo, passar o resto da vida a ganhá-la. E eles então achavam que a vida um dia há de ser de graça para toda a gente.
E ainda uma coisa extremamente importante. Iam à cadeia da terra e abriam as portas para que todos os presos saíssem, para que ninguém mais passasse a vida amuralhado e encerrado entre grades; que viesse para a vida e na vida se retemperasse e na vida renascesse para ser aquilo que devia ser. Era uma anistia talvez. Um sinal de que um dia o crime desaparecerá do mundo..."
Texto adaptado da conferência Namorando o Amanhã, realizada em maio de 1989
na Cooperativa de Animação Cultural de Alhos Vedros - Portugal.
Agostinho da Silva, professor, escritor, poeta e filósofo. Nasceu no Porto em 1906 e fez a passagem em Lisboa, 1994. Possui uma obra extensa em Educação e Cultura Portuguesa e Brasileira. Viveu 25 anos no Brasil, de 1944 a 1969 e aqui deixou muitos discípulos e amigos. Ajudou a criar quatro universidades: na Paraíba, Santa Catarina, Bahia e Brasília onde fundou o CBEP Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, muito atuante até 1968 quando a UnB foi invadida pelos militares. Construiu ao longo de sua vida uma obra luminosa e revolucionária de luta pela educação e a cultura.
http://www.agostinhodasilva.pt/
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