4 de fevereiro de 2012

Um texto do TT Catalão


Brasil-muitos-em-um

precisamos reinventar a brasília que ainda existe no pulso inicial; a outra brasília, nova, extraordinária, ainda mora naquela, na que sempre existiu
TexTTo e fotografia TT Catalão ttcatalao@gmail.com
depois das dores, o parto; depois da vergonha, a redenção; depois da infâmia, o sol da solidariedade; depois da ferida, a cicatriz; desejamos assim, clamamos assim, queremos assim, a cidade de volta – se possível, na mesma urgência e velocidade com que a rapina atuou; tentamos, assim e
assim tem sido desde que a mancha tingiu a terra vermelha; desde que o breu afanou o brio; desde que um fogo vindo dos carpetes nos fez joguetes e devastou o cerrado sem avisar pela chama; assim nos reservamos em estado suspenso – na luta para não virar amargo – desconfiados da esperança enquanto se restaure a redenção;
alguma coisa ainda não se revelou, pode ser isso: talvez, até a dimensão do vício, operado pelas transações predadoras, ainda não se mostrou completa; a dor, inteira – mesmo insuportável – facilita a cura mais plena;
ainda zanzamos em desorientação cívica porque até a indignação foi domesticada em atenuantes que entorpecem o ânimo e embaçam a definição do grito; ainda falta aquela palavra que não sai só pela boca; ainda insiste a letra impressa sem alma; a imagem que apenas ilustra e o som oco, sem eco – monólogos de monoblocos monolíticos;
brasília existiu para proclamar o plural; nesse princípio, sem fim determinado, construímos surpresas, rebeldes ao mais do mesmo, precisamos da mistura constante pelo ato apaixonado de quem decide fazer da vida manifesto;
a cidade sobrevive dessa necessidade absoluta de carinho, exige generosa grandeza e comprometimento visceral; proclama a percepção ampla do brasil-muitos-em-um (somos soma) – sintonizar o entusiasmo inicial da origem da cidade: mesmo os figurantes da “grande obra”, os que despencaram dos andaimes na noite e foram soterrados de dia, criaram a mística libertária da cidade;
precisamos reinventar a brasília que ainda existe no pulso inicial; a outra brasília, nova, extraordinária, ainda mora naquela, na que sempre existiu; retomar ritmos sem retornar a velhos ritos, eis o desafio – reaprender com o cerrado como brotar depois de tanta labareda; descobrir onde se abriga a água quando queimam as veredas;
reinventar brasília pelo coração dos que não apenas projetam, programam, legislam ou mesmo a explicam; reinventar a cidade com quem ainda ama essa matéria-prima nutriente da nossa brasilidade brasiliense; reinventar as trilhas que nos trouxeram até aqui e nos mostraram a utopia do sertão braço com litoral, rural papo com urbano, arte frater da cultura, pensar irmão do sentir, política legitimada por ética da polis...
esta cidade nunca esteve pronta; nenhuma cidade fica pronta; o pronto está acabado; cidades não terminam; nem são exterminadas, facilmente; elas se reinventam e ressignificam suas ruínas por se alimentarem do orgânico que vai soprar vida em suas narinas para existir;
cidades brotam e renascem do humano e suas relações para moldar sua cara em matéria e espírito; reinventar a cidade é uma decisão nossa, amorosa, compartilhada, em busca do reatar os fios e do reavivar os fortes e belos filhos de uma utopia abortada, aqueles, sempre sementes, alertas na fermentação do caldo da terra, pronta para renascer assim que acontecer de ser regada pelo dom de cada um, em todos, presentes;
e assim voltar à cidade do princípio, sem fim...

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