“Portanto, a primeira coisa que apontaria na minha estada
no Brasil foi a abertura de mim próprio, eu fui outro. [...]
De qualquer maneira, o primeiro ponto da chegada ao Brasil foi este
– abrir-me a mim. O segundo ponto foi o de descobrir no Brasil
aquele Portugal que nunca mais me desapareceu do espírito [...] " Agostinho da Silva, Vida Conversável, 1994 Porque vai Agostinho da Silva para o Brasil no ano de 1944? Porque escolhe Agostinho da Silva o Brasil para emigrar
e não outro país? Poder-se-á dizer que a ida para o Brasil é uma iniciativa
muito ponderada, já que o autor esteve preso por questões
político-religiosas entre o fim de Junho e o início de Julho
de 1943 e só para lá emigra em Novembro de 1944. Teve,
portanto, muito tempo para pensar e toma tal decisão em família.
No fundo, o Brasil era-lhe não só um país familiar (na medida
em que a sua mãe havia vivido em Vitória do Espírito Santo
quando era jovem) como lhe transmitia uma enorme sensação
de liberdade, já que estava muito longe da Guerra e das ditaduras.
A viagem para o Rio de Janeiro acontece, assim, em Novembro de
1944 (tendo pernoitado em Dakar e no Recife) mas não se revelará
definitiva, uma vez que Agostinho da Silva, com curiosidade pela
educação dos vizinhos brasileiros, depressa se encaminhará para
a Argentina e para o Uruguai. Por lá, e entre 1945 e 1947, lecciona
na Escola de Estudos Superiores de Buenos Aires e nos
Colégios Libres de Montevideu. Regressado ao Rio de Janeiro entre o fim de 1947
e o início de 1948, passa a trabalhar no
Instituto Oswaldo Cruz, na Faculdade Fluminense
de Filosofia e na Biblioteca Nacional (com Jaime Cortesão).
Contudo, a que é que Agostinho da Silva se dedica mais
nesses primeiros dez anos de Brasil? Dedica-se ao ensino,
à escrita e à investigação. Ou seja, ensina Filosofia na
Faculdade Fluminense (Niterói), História Antiga e Literatura
Portuguesa na Universidade da Paraíba (a partir de 1952)
e Literatura Portuguesa e Filologia Românica na
Universidade de Santa Catarina (a partir de 1955);
escreve e publica em jornais (nomeadamente o Estado de São Paulo)
e edita os livros Um Fernando Pessoa(1955), Reflexão à
margem da literatura portuguesa (1957) e também o Ensaio para uma
Teoria do Brasil (1956); e faz investigação no Instituto Oswaldo Cruz
(onde se dedica aos estudos de entomologia), na Biblioteca
Nacional e na organização da Exposição Histórica do
IV Centenário da Cidade de São Paulo (1954/1955). Em síntese, o objectivo de Agostinho da Silva era fazer no
Brasil aquilo que fora impedido de fazer em Portugal.
E o seu projecto educativo, que era naturalmente um
projecto político (na medida em que a política deve
estar ao serviço da cultura e da educação), consistia
em defender uma educação para a liberdade, que
valorizasse a acção e o homem no seu sentido
integral, que levasse cada homem a reconhecer
as suas responsabilidades, que tivesse participação
efectiva na construção da vida e do futuro.
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