12 de outubro de 2011

João Cândido: às margens da História?



por Poíesis Oliveira
Bacharelanda em Sociologia pela Universidade de Brasília.

Eu estava a olhar as gaivotas pairando sobre os mastros dos navios... Vi as águas resplandecentes da Guanabara... Era cálida a luz do sol... Olhei firme o horizonte com a ânsia de voltar ao passado da mesma forma que podemos voltar a algum lugar... Mas, o tempo é uma sensação que passa e não volta, apenas fica na memória. E, talvez, a memória seja o melhor lugar para se preservar o tempo. Seria inesquecível se eu pudesse voltar no tempo e encontrar-me com personagens históricos, conversar com eles e (quem sabe?) participar dos fatos marcantes de nossa História. Isso seria fisicamente impossível, porém, aventurei-me nas páginas da História, mais precisamente as da República Velha para reencontrar o marujo negro João Cândido Felisberto.
A República Velha, aquela que veio depois da Proclamação da República em 1889 e foi até a ascensão de Getúlio Vargas em 1930, teve treze Presidentes diferentes e foi marcada, sobretudo, pela Política do Café com Leite e pelo Coronelismo. Nas páginas dessa História, li sobre o Governo do Marechal Hermes da Fonseca (1910 a 1914) o qual muito me chamou a atenção devido a um episódio importante conhecido como a Revolta da Chibata ou a Revolta dos Marinheiros, ocorrido na Marinha Brasileira em 22 de novembro de 1910, no Rio de Janeiro.
A época em que se passou a insurreição é caracterizada por uma modernização urbana bastante acelerada que contrastava com mentalidades alicerçadas nos antigos modelos políticos, econômicos e culturais. Vieram as transformações do início do século XX, todavia, a sociedade continuava basicamente agrícola, preconceituosa, dependente de outras nações e geradora de disparidades sociais. Obedecendo a essa concepção arcaica, estava a Marinha de Guerra do Brasil que fazia uso de uma disciplina rígida sob as varas de marmelo ou linha de barca com agulhas e pregos em volta destinados a arrancar pedaços da carne de marinheiros que cometiam algum tipo de infração, geralmente de caráter irrelevante, na Armada, prática, aliás, muito semelhante a que acontecia com os negros escravos quando levados ao tronco, símbolo de poder e lugar de castigo.
As páginas da História nacional deixaram às margens a Revolta da Chibata e a estória de seu líder João Cândido no anonimato. Contudo, descobri em uma das prateleiras dos fatos históricos, um livro de cor escura com a imagem de dois marinheiros na capa, cujo título era João Cândido do Brasil e a Revolta da Chibata, de César Vieira. Ao folheá-lo, percebi que ali se alinhavava o motim dos marujos que reivindicavam melhores condições de trabalho e o fim dos castigos corporais tecido em uma linguagem teatral. Logo nas primeiras páginas o livro afirma que “É inaceitável que o simples estudo dos acontecimentos dessa rebelião na Armada Brasileira seja, quase cem anos depois, motivo de proibição, censura, discriminação, preconceito e ódio.” Cada vez mais entretida, li admirada que “Os negros marujos de 1910 cortaram amarras, levantaram âncoras, içaram bandeiras e com seu exemplo tentaram nos passar bússolas... mas, infelizmente, continuamos sem rumo, à deriva.”
Lia atentamente e, de repente, as letras sumiram das páginas. Algo estranho estava acontecendo. Fechei o livro surpresa. Abri-o novamente. De súbito, tive a impressão de estar dentro de uma concha do mar, ouvindo o marulhar das ondas indo e vindo. As ondas espumavam, batiam nas pedras... O vento forte a zunir e a trazer o cheiro salgado do mar. Senti meus olhos fecharem-se sozinhos e meu corpo ficou leve como uma pena no ar. Inexplicavelmente, havia areia quente em mim. Ofuscada pela luminosidade do dia, vi-me deitada em uma praia. Assustada, levantei-me, olhei em volta...


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Este artigo encontra-se na página 44.

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