por Poíesis Oliveira
Bacharelanda em Sociologia pela Universidade de Brasília.
Eu
estava a olhar as gaivotas pairando sobre os mastros dos navios... Vi as águas
resplandecentes da Guanabara... Era cálida a luz do sol... Olhei firme o
horizonte com a ânsia de voltar ao passado da mesma forma que podemos voltar a
algum lugar... Mas, o tempo é uma sensação que passa e não volta, apenas fica
na memória. E, talvez, a memória seja o melhor lugar para se preservar o tempo.
Seria inesquecível se eu pudesse voltar no tempo e encontrar-me com personagens
históricos, conversar com eles e (quem sabe?) participar dos fatos marcantes de
nossa História. Isso seria fisicamente impossível, porém, aventurei-me nas
páginas da História, mais precisamente as da República Velha para reencontrar o
marujo negro João Cândido Felisberto.
A
República Velha, aquela que veio depois da Proclamação da República em 1889 e
foi até a ascensão de Getúlio Vargas em 1930, teve treze Presidentes diferentes
e foi marcada, sobretudo, pela Política do Café com Leite e pelo Coronelismo. Nas
páginas dessa História, li sobre o Governo do Marechal Hermes da Fonseca (1910
a 1914) o qual muito me chamou a atenção devido a um episódio importante
conhecido como a Revolta da Chibata ou a Revolta dos Marinheiros, ocorrido na Marinha
Brasileira em 22 de novembro de 1910, no Rio de Janeiro.
A
época em que se passou a insurreição é caracterizada por uma modernização
urbana bastante acelerada que contrastava com mentalidades alicerçadas nos
antigos modelos políticos, econômicos e culturais. Vieram as transformações do
início do século XX, todavia, a sociedade continuava basicamente agrícola,
preconceituosa, dependente de outras nações e geradora de disparidades sociais.
Obedecendo a essa concepção arcaica, estava a Marinha de Guerra do Brasil que fazia
uso de uma disciplina rígida sob as varas de marmelo ou linha de barca com
agulhas e pregos em volta destinados a arrancar pedaços da carne de marinheiros
que cometiam algum tipo de infração, geralmente de caráter irrelevante, na
Armada, prática, aliás, muito semelhante a que acontecia com os negros escravos
quando levados ao tronco, símbolo de poder e lugar de castigo.
As
páginas da História nacional deixaram às margens a Revolta da Chibata e a
estória de seu líder João Cândido no anonimato. Contudo, descobri em uma das
prateleiras dos fatos históricos, um livro de cor escura com a imagem de dois
marinheiros na capa, cujo título era João
Cândido do Brasil e a Revolta da Chibata, de César Vieira. Ao folheá-lo, percebi
que ali se alinhavava o motim dos marujos que reivindicavam melhores condições
de trabalho e o fim dos castigos corporais tecido em uma linguagem teatral. Logo
nas primeiras páginas o livro afirma que “É inaceitável que o simples estudo
dos acontecimentos dessa rebelião na Armada Brasileira seja, quase cem anos
depois, motivo de proibição, censura, discriminação, preconceito e ódio.” Cada
vez mais entretida, li admirada que “Os negros marujos de 1910 cortaram
amarras, levantaram âncoras, içaram bandeiras e com seu exemplo tentaram nos
passar bússolas... mas, infelizmente, continuamos sem rumo, à deriva.”
Lia
atentamente e, de repente, as letras sumiram das páginas. Algo estranho estava
acontecendo. Fechei o livro surpresa. Abri-o novamente. De súbito, tive a
impressão de estar dentro de uma concha do mar, ouvindo o marulhar das ondas
indo e vindo. As ondas espumavam, batiam nas pedras... O vento forte a zunir e
a trazer o cheiro salgado do mar. Senti meus olhos fecharem-se sozinhos e meu
corpo ficou leve como uma pena no ar. Inexplicavelmente, havia areia quente em
mim. Ofuscada pela luminosidade do dia, vi-me deitada em uma praia. Assustada,
levantei-me, olhei em volta...
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