Por Enilde Faulstich
Professora Doutora do Departamento de Linguística, Português
e Línguas Clássicas, Instituto de Letras,
Universidade de Brasília – Brasil
No Sermão de Santo Antônio, também conhecido
como “Sermão de Santo Antônio aos peixes”, pregado na cidade de São Luís do
Maranhão, no ano de 1654, o Padre Vieira escreve uma alegoria — um tipo de
metáfora — por meio da qual compara uma realidade de caráter abstrato com uma
expressão concreta, visível, a fim de atingir uma percepção plástica do objeto,
uma personificação daquilo que não é pessoa. Neste Sermão, Vieira louva que “ao
menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam.”[1]
— eis uma das alegorias, se não a principal, do Sermão citado.
Em continuação diz Vieira:
Oh grande louvor verdadeiramente para os
peixes, e grande afronta e confusão para os homens! Os homens perseguindo a
António[2],
querendo-o lançar da terra, e ainda do mundo, se pudessem, porque lhes
repreendia seus vícios, porque lhes não queria falar à vontade, e condescender
com seus erros, e no mesmo tempo os peixes em inumerável concurso acudindo à
sua voz, atentos, e suspensos às suas palavras, escutando com silêncio, e com
sinais de admiração e assenso (como
se tivessem entendimento) o que não entendiam. Quem olhasse neste passo para o
mar e para a terra, e visse na terra os homens tão furiosos e obstinados, e no
mar os peixes tão quietos e tão devotos, que havia de dizer? Poderia cuidar que
os peixes irracionais se tinham convertido em homens, e os homens não em
peixes, mas em feras. Aos homens deu Deus uso de razão, e não aos peixes; mas
neste caso os homens tinham a razão sem o uso, e os peixes o uso sem razão.[3]
Fizemos um recuo no tempo — fomos ao séc. XVII —
para, a partir dessa alegoria de Vieira, firmar uma conversa política — de
Política Linguística, melhor ainda, de Política da Língua Portuguesa. Vejamos.
A chegada dos portugueses aos portos, tocados
pelos navegantes, criou o mundo da Língua Portuguesa transplantada, em que, por
meio de missões, a língua foi implantada. Depois disso, criados os Estados
nacionais, o Português desenhou o espaço geopolítico do que seria a Lusofonia
no mundo. Séculos já decorridos, as Nações constituídas por embates
internacionais e locais fixaram comunidades de fala, com línguas resistentes,
que não se deixaram assimilar pela política missionária que tomou conta da
terra, onde passaram a habitar nativos e portugueses. Mesmo subjugado ao veio
capitalista dos colonizadores, cada um dos Estados, visto como instrumentos de
ação coletiva da nação[4],
se manteve original e, assim, angolano, caboverdiano, bissau-guineense,
moçambicano e santomeense são africanos, brasileiro é sul-americano, timorense
é asiático e português é europeu. Ninguém virou o outro, e, tampouco, os outros
viraram um. O certo é que, na contemporaneidade, uma forma de aproximar
culturas de povos, que tão distantes vivem, surgiu da vontade política do
Brasil: a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa — CPLP —, constituída por
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e
Príncipe e Timor Leste. Talvez essa vontade tenha sido motivada por uma nova
intenção de reinterpretar Lusofonia, nos moldes dos blocos de economia
política, que vigem no mundo. No entanto, duas questões, que procuraremos
relacionar, direta ou indiretamente, ao título desta palestra, merecem nossa
reflexão. A primeira questão que trazemos à mesa do debate é se a CPLP é uma comunidade de assenso. E a
segunda, tomando de empréstimo a alegoria do PE. Antônio Vieira, é saber se nós, participantes da CPLP, somos
PEIXES.
Para ler o texto na íntegra acesse o link:
este artigo encontra-se na página 23
Um comentário:
Com a devida vénia, permitir-me-ia, salvo melhor opinião, sublinhar que na CPLP, englobando os Países nela integrados, não somos os homens que tinham a razão sem o uso, nem os peixes o uso sem razão.
Somos, isso sim, AS PEDRAS VIVAS!
Vivificantes e vivificadoras!
Razão porque somos uma COMUNIDADE espalhada pelos sete mares e unidos pela mesma língua: O PORTUGUÊS!
TODOS IGUAIS, TODOS DIFERENTES!
Um dado comum a reter:
São Luís do Maranhão!
. Em 1654, o Padre António Vieira faz o Sermão de Santo António aos peixes.
. Em 1989, o IILP - Instituto Internacional da Língua Portuguesa, com a sua sede em Cabo Verde, inicia oficialmente a sua História, quando os países de expressão portuguesa se reúnem, em São Luís do Maranhão, para pensar as bases de uma comunidade de língua portuguesa, cuja ideia / iniciativa partiu do então Presidente da República do Brasil, José Sarney.
Embora, com alguns acidentes de percurso, caminhamos em direcção ao FUTURO!
Paulo M. A. Martins
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Jornalista luso-brasileiro e
Conselheiro da Fundação Aristides de Sousa Mendes (Portugal)
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