1.
Comemora-se mais um 1º de Maio – consagrado como “O Dia do
Trabalhador”. Mas, para além da festa, da confraternização e do anúncio da
continuação das “lutas dos trabalhadores”, é também data de comemoração e, por
isso, convém relembrar que esteve na sua origem a chamada “Jornada dos Mártires
de Chicago”, de 1/5/1886, que foi uma luta pelas 8 horas de trabalho diário, ou
48 horas semanais, que levou a uma tremenda repressão sobre os trabalhadores
americanos que a desencadearam naquela cidade, com enforcamento público dos
seus líderes. Outros depois se apoderaram da data, mas manda a verdade dizer
que o 1º de Maio e tudo quanto representa se deve aos trabalhadores americanos.
2.
Manda também a verdade dizer que, tal luta permanece actual, pois
muitos trabalhadores continuam a laborar mais de 8 horas por dia ou são
obrigados a fazer horas extraordinárias sem a devida retribuição - basta ir a
um centro comercial e ver -, para além de outras formas de exploração, a que urge
por cobro.
3.
Se quisermos recuar no tempo, não podemos deixar de nos lembrar
como o trabalho tem sido sofrimento e pena, desde a antiguidade, bastando
lembrarmo-nos dessa iniquidade que foi a escravatura, em que homens compravam
ou vendiam outros homens, como se mercadorias ou coisas fossem, o que ainda
hoje existe em vários países, sendo praticado por quem não tem escrúpulo algum
em se dedicar a esse tipo de comércio nojento e o quanto há a fazer para
espalhar, esclarecer, informar e educar a humanidade nos valores da liberdade,
da igualdade e da fraternidade.
Paradoxalmente,
existem pessoas que se esmagam a trabalhar, por sua vontade, para atingirem os
seus sonhos de questionável felicidade e, como não têm discernimento, vivem
escravos de si próprios ou nos seus limiares – a escravatura moderna é a do
consumismo.
4.
Foi em 1835, com Mouzinho da Silveira, um dos poucos governantes
portugueses merecedor do epíteto de reformador, que foi reconhecido o direito
de associação e daí o nascimento das primeiras associações de trabalhadores
portugueses, não ainda sindicatos, mais como defesa na doença e na assistência
aos mais carenciados, sendo já no princípio do século XX, com D. Carlos I, que
os sindicatos foram reconhecidos, mas, pouco depois, com a I República, perante
o desencadear de greves por tudo e por nada, surgiu uma repressão feroz, de tal
forma que um dos políticos que a encetou e mais vezes foi 1º Ministro na I
República ficou com o epíteto de “racha sindicalistas”. Refiro-me a Afonso
Costa.
5.
Sintetizando: árdua, longa, dura e difícil tem sido a luta dos
trabalhadores pela sua libertação de todas as formas de opressão, exploração e
alienação e para que lhe seja reconhecido o seu papel indispensável num país
mais livre, mais justo e mais solidário, onde a cada um seja reconhecido o
mérito que lhe é devido e reconhecida a sua dignidade como ser humano com
direito a ser feliz.
6.
Porém, boa parte das organizações sindicais limita-se, em cada 1º
de Maio, a gritar contra os patrões e o Governo, clamando pela contratação
colectiva e especialmente por melhores salários. Ora, embora tal seja
importante, está longe do que um sindicalismo moderno exige. Com efeito, se os
direitos ao trabalho e ao salário são fundamentais, não menos fundamentais são
os direitos à vida, à educação e à saúde, mas, infelizmente, boa parte dos
sindicatos pouca atenção dispensa ao ambiente, às condições de segurança e
higiene no trabalho em muitos locais e à própria realização do trabalhador como
Homem.
7.
Daí me parecer dever fazer-se mais pedagogia a favor de mais e
melhor fiscalização das condições de trabalho, especialmente no que tange à
saúde, higiene e segurança, sem esquecer as indispensáveis medidas de
prevenção, no que respeita a acidentes de trabalho e a doenças profissionais, e
sem nunca olvidar a vergonhosa exploração do trabalho infantil e o chamado
assédio no trabalho, que não é apenas o sexual, mas que engloba também o
“terrorismo psicológico” (reprimenda, desprezo, isolamento, desocupação,
desqualificação, etc), em violação flagrante da dignidade de cada trabalhador.
8.
Num mundo cada vez mais globalizado, mas só em termos económicos,
onde o lucro e a ganância são “deuses” (com “d” pequeno), convém também lembrar a todos, a começar pelo Governo,
que o aumento da produtividade e da competitividade exigem soluções corajosas e
rápidas, mas em concertação social.
Começaria
pela reforma da chamada formação profissional dispersa e descoordenada e num
melhor sistema educativo-profissional integrado, com novas escolas
técnico-profissionais até ao nível universitário, não só para os jovens que vão
entrar no mercado de trabalho, como para os trabalhadores em geral, a começar
pelos desempregados, e até para os empresários, pois ninguém nasce empresário,
também é preciso aprender a investir e a gerir e aqui vale também a tradição:
qualquer empresário deveria começar por ser aprendiz de empresário.
9.
Afigura-se-me que este novo ensino técnico poderia resultar de
parcerias entre o Estado, os Municípios e as Associações Sindicais e Empresariais,
sem prejuízo de outros contributos e de se adaptarem outras experiências de
sucesso, mormente na Europa (exº: Irlanda e Finlândia).
10.
Mas se quisermos ir mais fundo, isto é, à causa de tantos
conflitos, teremos de abordar a estrutura empresarial que temos, pelo menos
aquelas empresas a partir de 10 trabalhadores, nelas não abrangendo as chamadas
microempresas ou de tipo familiar.
O que se
passa, desde a chamada revolução industrial, é que os detentores do capital,
vulgo patrões, pelo facto de terem investido e arriscado as suas economias num
empreendimento, o que por si é louvável, raramente encaram a função social de
qualquer propriedade e todos quantos vão para eles laborar fazem-no sob as suas
ordens e direcção, de forma inteiramente subordinada, como é caracterizado
essencialmente o designado contrato de trabalho.
11.
Na verdade, não é bem assim, pois quem vende a força do seu
trabalho ou do seu intelecto também arrisca uma carreira profissional e investe
parte da sua vida numa empresa e muitas vezes tem de tomar decisões, quando
investido em cargos de chefia.
Assim,
refletindo um pouco sobre as formas societárias empresariais existentes, penso noutra
ou noutras, que designaria por empresas mistas, de capital e de trabalho,
aproveitando o que de bom já existe, nas empresas de tipo cooperativo,
teorizadas por António Sérgio, e nas experiências co-gestionárias ou mesmo
auto-gestionárias, pugnando por uma nova forma de empresa, onde cada um fosse
tido por colaborador interessado e tivesse direito a participar
proporcionalmente no desenvolvimento da sua empresa, pelo menos com voto nas
grandes decisões.
Penso que é
desejável superar o conflito permanente entre o capital e o trabalho e mesmo a
chamada trégua nesse conflito, traduzida na contratação colectiva, o que, a meu
ver, será possível se for assumido que o “capital” humano é mais importante que
o capital monetário e que, em solidariedade, podem cooperar num novo tipo de
empresa, sem prejuízo de cada um ser
retribuído pelo seu mérito e por aquilo que investiu na empresa e até as
grandes multinacionais não desdenhariam ver tanto os seus accionistas como os
seus trabalhadores empenhados na melhoria das suas empresas e nos seus
proveitos, mas, para isso, teriam todos de ter voz ativa e de colaborar,
naturalmente de forma livre, como parceiros. Não vou, por ora, mais longe,
deixo apenas aqui esta minha reflexão.
12.
Existem, por enquanto, muitas “grilhetas” por quebrar, umas mais
visíveis, outras mais sofisticadas, neste mundo onde ainda reina a exploração
da mão-de-obra barata. Cabe aos homens livres, justos e de bons costumes pugnar
pelo fim do atual sistema e de pensar numa nova empresa, mais amiga do ambiente
e da qualidade de vida, como uma comunidade de pessoas, onde cada um se realize
e se sinta mais satisfeito e creio que todos me acompanharão se concluir que
ainda existe muito a pensar e a fazer para o desenvolvimento socioeconómico e
para o progresso da Humanidade. É tempo de (re)começarmos.
Lisboa, 30-04-2012, Jorge da Paz Rodrigues