16 de junho de 2015

Assim disse Agostinho da Silva: “O homem não se fez para trabalhar, mas para criar.”

por Rui Lopo[1]

Agostinho da Silva (1906-1994) nasce no Porto, cidade onde frequenta o liceu e a Faculdade de Letras, estudando Filologia Clássica e dedicando-se à tradução de clássicos gregos e latinos. Adere ao movimento portuense das Universidades Populares. No final da década de vinte, é bolseiro em Espanha onde estuda mística espanhola (e se reúne com os exilados políticos portugueses) e em França onde estuda Montaigne.
De regresso a Portugal inicia a sua dedicação à causa da renovação dos métodos pedagógics em Portugal, introduzindo as correntes de vanguarda da Escola Nova e levando à prática um ambicioso e intenso plano de divulgação científica e cultural entre os mais novos e os mais carenciados, afrontando um regime elitista e autoritário. Em 1935, perante a obrigação de jurar a Constituição imposta aos professores e demais funcionários públicos pela Ditadura, como se recusa, é proibido de ensinar, vivendo então de aulas particulares e da venda dos seus escritos (traduções de clássicos, biografias de homens exemplares, Cadernos Iniciação e À Volta do Mundo, este dirigido aos mais novos), entre os quais, “O Cristianismo” (1942) e a “Doutrina Cristã” (1943) que contribuirão para precipitar a sua perseguição política e prisão. Este período foi ainda marcado pelo cultivo e ensino do Esperanto e pela abundante participação em jornais, revistas e círculos culturais em todo o país.
Em 1944, reúne em livro, em edições de autor, grande parte da sua produção literária e ensaística e parte para a América do Sul, primeiro na Argentina e Uruguay e depois no Brasil onde viverá até 1969. Após um primeiro período em que estuda biologia e se especializa em entomologia, dedica-se ao ensino universitário, participando da criação de Universidades por todo o Brasil. Passa, então, a ter também a cidadania brasileira. É neste período que retoma o estudo da literatura portuguesa que começa a ensinar, interessando-se pela religiosidade popular e pela tradição mitopoética dos povos de língua portuguesa, reinterpretando símbolos culturais, lendas e mitos em uma perspectiva emancipatória e progressista.
Na década de 1950, cria diversos centros de estudos e outros grupos organizados que visavam firmar o intercâmbio entre o Brasil, África e o Oriente, estabelecendo parcerias culturais especialmente com o Senegal de Léopold Senghor. Com o início da guerra em África, começa a propor, a partir do Brasil, a criação futura de uma Comunidade de Povos de Língua Portuguesa que superasse o colonialismo.
A partir de 1964, com o começo da ditadura militar no Brasil, Agostinho efetua diversas viagens. Vai a Moçambique, aos Estados Unidos e ao Japão, ensinando e colhendo informações que depois utilizará em seus escritos ensaísticos e literários. Desdobra-se em vários heterônimos, à imagem de Fernando Pessoa, sobre quem tanto escreveu, servindo-se deles para redigir as suas lembranças sul-americanas sob a forma de novelas.
Em 1969, morto Salazar, Agostinho decide regressar a Portugal, convicto de que o regime não duraria muito mais. Mantém uma enorme rede epistolar, colocando-se no centro de um constante intercâmbio de ideias e projetos que reunia centenas de pessoas de várias formações culturais, políticas e religiosas em todo o mundo, a todos enviando as suas edições de autor e as suas cartas-circulares que se articulam em obras grandiosas que incluem poesia, aforismo filosófico, comentário político, divulgação pedagógica e tradução (Agostinho traduziu dezenas de obras de mais de dez línguas diferentes).
A partir de 1974, com a Revolução dos Cravos e a instauração da Democracia em Portugal, Agostinho da Silva passa a ser visto cada vez mais como uma voz inconformada de intelectual rebelde e desconcertante, conhecendo nos últimos anos da sua vida uma enorme popularidade que utiliza para abalar as ilusões confortáveis da sociedade de consumo e as certezas falsas da cultura dominante, respondendo com paradoxos às perguntas maniqueístas que lhe dirigem, assumindo, despojadamente, a imprevisibilidade como metáfora por excelência do divino e a criatividade como o valor mais humanizante do ser humano: “Vai sendo o que sejas até seres o que és”.



[1] Filósofo.

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