por Rui Lopo[1]
Agostinho da Silva (1906-1994) nasce no Porto, cidade onde
frequenta o liceu e a Faculdade de Letras, estudando Filologia Clássica e
dedicando-se à tradução de clássicos gregos e latinos. Adere ao movimento
portuense das Universidades Populares. No final da década de vinte, é bolseiro
em Espanha onde estuda mística espanhola (e se reúne com os exilados políticos
portugueses) e em França onde estuda Montaigne.
De regresso a Portugal inicia a sua dedicação à causa da
renovação dos métodos pedagógics em Portugal, introduzindo as correntes de
vanguarda da Escola Nova e levando à prática um ambicioso e intenso plano de
divulgação científica e cultural entre os mais novos e os mais carenciados,
afrontando um regime elitista e autoritário. Em 1935, perante a obrigação de
jurar a Constituição imposta aos professores e demais funcionários públicos
pela Ditadura, como se recusa, é proibido de ensinar, vivendo então de aulas
particulares e da venda dos seus escritos (traduções de clássicos, biografias de homens exemplares, Cadernos
Iniciação e À Volta do Mundo,
este dirigido aos mais novos), entre os quais, “O Cristianismo” (1942) e a
“Doutrina Cristã” (1943) que contribuirão para precipitar a sua perseguição
política e prisão. Este período foi ainda marcado pelo cultivo e ensino do
Esperanto e pela abundante participação em jornais, revistas e círculos
culturais em todo o país.
Em 1944, reúne em livro, em edições de autor, grande parte
da sua produção literária e ensaística e parte para a América do Sul, primeiro
na Argentina e Uruguay e depois no Brasil onde viverá até 1969. Após um
primeiro período em que estuda biologia e se especializa em entomologia,
dedica-se ao ensino universitário, participando da criação de Universidades por
todo o Brasil. Passa, então, a ter também a cidadania brasileira. É neste
período que retoma o estudo da literatura portuguesa que começa a ensinar,
interessando-se pela religiosidade popular e pela tradição mitopoética dos
povos de língua portuguesa, reinterpretando símbolos culturais, lendas e mitos em
uma perspectiva emancipatória e progressista.
Na década de 1950, cria diversos centros de estudos e
outros grupos organizados que visavam firmar o intercâmbio entre o Brasil,
África e o Oriente, estabelecendo parcerias culturais especialmente com o
Senegal de Léopold Senghor. Com o início da guerra em África, começa a propor,
a partir do Brasil, a criação futura de uma Comunidade de Povos de Língua
Portuguesa que superasse o colonialismo.
A partir de 1964, com o começo da ditadura militar no Brasil,
Agostinho efetua diversas viagens. Vai a Moçambique, aos Estados Unidos e ao
Japão, ensinando e colhendo informações que depois utilizará em seus escritos
ensaísticos e literários. Desdobra-se em vários heterônimos, à imagem de
Fernando Pessoa, sobre quem tanto escreveu, servindo-se deles para redigir as
suas lembranças sul-americanas sob a
forma de novelas.
Em 1969, morto Salazar, Agostinho decide regressar a
Portugal, convicto de que o regime não duraria muito mais. Mantém uma enorme
rede epistolar, colocando-se no centro de um constante intercâmbio de ideias e
projetos que reunia centenas de pessoas de várias formações culturais,
políticas e religiosas em todo o mundo, a todos enviando as suas edições de
autor e as suas cartas-circulares que se articulam em obras grandiosas que
incluem poesia, aforismo filosófico, comentário político, divulgação pedagógica
e tradução (Agostinho traduziu dezenas de obras de mais de dez línguas
diferentes).
A partir de 1974, com a Revolução dos Cravos e a
instauração da Democracia em Portugal, Agostinho da Silva passa a ser visto
cada vez mais como uma voz inconformada de intelectual rebelde e
desconcertante, conhecendo nos últimos anos da sua vida uma enorme popularidade
que utiliza para abalar as ilusões confortáveis da sociedade de consumo e as
certezas falsas da cultura dominante, respondendo com paradoxos às perguntas
maniqueístas que lhe dirigem, assumindo, despojadamente, a imprevisibilidade como metáfora por excelência do divino e a
criatividade como o valor mais humanizante do ser humano: “Vai sendo o que
sejas até seres o que és”.
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