14 de novembro de 2011

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

                    
José Aparecido de oliveira: Agostinho da Silva nas origens da 
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

Eu conheci o Professor Agostinho na época do Governo do Jânio Quadros. Ele já tinha uma presença no Brasil muito importante. Esteve ensinando em Santa Catarina, esteve na Bahia, esteve em Brasília e, evidentemente, ninguém passava impune pelo Professor Agostinho da Silva. Ficava uma marca. Em todo o seu itinerário, ele soube ter a consciência da independência moral, ele nunca deixou de ser um homem de consciência livre e de vocação libertária.
Agostinho da Silva foi importante sob dois aspectos. Um como pensador, como filósofo, o outro como homem de ação. Ele conjugou essas duas virtualidades que, geralmente, não caminham juntas. Ele era um homem de pensamento, mas era um homem também de ação prática, de ação efectiva. Ele teve uma presença muito importante, naquele tempo, não só no Brasil, como também em todos os países de língua portuguesa e em toda uma política de desenvolvimento econômico e social, porque ele tinha uma clara consciência do que representavam os povos que estavam submetidos a uma hierarquia das forças sociais que nunca abriam perspectivas maiores, nem melhores para os subdesenvolvidos. E ele foi talvez, naquele século, um dos pensadores que tinha a visão do horizonte, que tinha a visão da perspectiva.
Agostinho da Silva preencheu, num aspecto, um largo trecho da nossa consciência política. Ele era um formulador, ele era um pensador, ele era um ativista. Um combatente, um revolucionário e um missionário. Veja-se, por exemplo, As Cartas Várias. Elas eram um documento para iniciados. Ele escrevia-as com espírito de missão. Ele era dotado dessa consciência. Ele sabia que estava realizando um trabalho para o tempo e para o histórico. O Professor Agostinho tinha uma visão do mundo daquele tempo e do mundo do futuro. Ele previa, como pensador que era, muito do que está acontecendo por aí.
O que me parece fundamentalmente importante é a presença dele numa nova política para a lusofonia, de uma nova política para o desenvolvimento dos povos de Língua Portuguesa. Eu sei que ainda não há muita luz sobre este aspecto, sobre esse trecho da vida do Professor Agostinho que foi, aqui no Brasil, ao tempo do Governo do Jânio Quadros. Eu trabalhava com o Presidente Jânio, de forma que eu posso dar um depoimento seguro da influência que o Professor Agostinho da Silva teve na formulação da nova política exterior do Brasil naquele período, contemplando prioritariamente não só os países de língua portuguesa, mas o continente africano.
O Professor tinha uma exata consciência da importância disso, da África como continente de articulação de um novo tempo para uma política de desenvolvimento. E ele viu, naquele momento, uma formulação da política externa independente do Governo Brasileiro. Ele teve encontros com o Presidente da República, encontros promovidos, inclusive, por meu intermédio. E esse é um aspecto que eu sei que não é muito conhecido. Quer na biografia do Professor, quer nos documentos do ltamarati.
O Professor Agostinho foi importantíssimo quando chamou a atenção dos brasileiros para o que representava uma política de desenvolvimento num mundo que tendia para a globalização. Ele previu com todas as suas nuances e conseqüências. E também fez despertar a nossa consciência, brasileira sobretudo, mas lusófona, com relação à África. Foi ele que, pela primeira vez, naquele tempo, chamou a atenção para as nossas raízes. E além disso, dava uma palavra segura de advertência com relação ao nosso futuro. E entendia que era importante fazermos uma política de unidade, de fundamento da nossa língua comum. E isso foi uma abordagem que passou a ser feita e que chegou, inclusive, à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP.  Mas na realidade, o verdadeiro formulador, o homem que deu esse fundamento filosófico, essa mensagem integradora do ponto de vista político, foi o Professor Agostinho da Silva. Ele foi o grande formulador de um tempo novo na lusofonia.
A ideia da CPLP surgiu no fim da década de 50, início da década de 60. O Jânio foi presidente da República exactamente nesse período. Renunciou à Presidência em 61. O Agostinho influiu muito nessa formulação, numa nova política externa do Brasil, com olhos inclusive integradores. No entanto, não há registro, no ltamarati, a respeito disso. Embora a ideia da CPLP seja da década de 60 só é institucionalizada em 1996, quando eu era embaixador em Lisboa e o Mário Soares era Presidente da República. Na realidade, aquela proposta era fundamental para os países de língua portuguesa e para a lusofonia. Para eu afirmar um movimento dessa natureza tinha que ter um compromisso missionário com o Professor Agostinho da Silva. Afinal, ele ensinou-me a importância da força da destinação. 

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Texto recolhido da obra IN MEMORIAM de AGOSTINHO DA SILVA. Organização de Renato Epifânio, Romana Valente Pinho e Amon Pinho Davi. Portugal: Zéfiro, 2006, pp. 247-249.
Imagem: logo oficial da CPLP.

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