José Aparecido de oliveira: Agostinho da Silva nas origens da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Eu conheci o Professor Agostinho na época do Governo do Jânio
Quadros. Ele já tinha uma presença no Brasil muito importante. Esteve ensinando
em Santa Catarina, esteve na Bahia, esteve em Brasília e, evidentemente,
ninguém passava impune pelo Professor Agostinho da Silva. Ficava uma marca. Em
todo o seu itinerário, ele soube ter a consciência da independência moral, ele
nunca deixou de ser um homem de consciência livre e de vocação libertária.
Agostinho da Silva foi importante sob dois aspectos. Um como pensador,
como filósofo, o outro como homem de ação. Ele conjugou essas duas
virtualidades que, geralmente, não caminham juntas. Ele era um homem de
pensamento, mas era um homem também de ação prática, de ação efectiva. Ele teve
uma presença muito importante, naquele tempo, não só no Brasil, como também em
todos os países de língua portuguesa e em toda uma política de desenvolvimento
econômico e social, porque ele tinha uma clara consciência do que representavam
os povos que estavam submetidos a uma hierarquia das forças sociais que nunca
abriam perspectivas maiores, nem melhores para os subdesenvolvidos. E ele foi
talvez, naquele século, um dos pensadores que tinha a visão do horizonte, que
tinha a visão da perspectiva.
Agostinho da Silva preencheu, num aspecto, um largo trecho da
nossa consciência política. Ele era um formulador, ele era um pensador, ele era
um ativista. Um combatente, um revolucionário e um missionário. Veja-se, por
exemplo, As Cartas Várias. Elas eram um documento para
iniciados. Ele escrevia-as com espírito de missão. Ele era dotado dessa
consciência. Ele sabia que estava realizando um trabalho para o tempo e para o
histórico. O Professor Agostinho tinha uma visão do mundo daquele tempo e do
mundo do futuro. Ele previa, como pensador que era, muito do que está
acontecendo por aí.
O que me parece fundamentalmente importante é a presença dele numa
nova política para a lusofonia, de uma nova política para o desenvolvimento dos
povos de Língua Portuguesa. Eu sei que ainda não há muita luz sobre este
aspecto, sobre esse trecho da vida do Professor Agostinho que foi, aqui no
Brasil, ao tempo do Governo do Jânio Quadros. Eu trabalhava com o Presidente
Jânio, de forma que eu posso dar um depoimento seguro da influência que o
Professor Agostinho da Silva teve na formulação da nova política exterior do
Brasil naquele período, contemplando prioritariamente não só os países de
língua portuguesa, mas o continente africano.
O Professor tinha uma exata consciência da importância disso, da
África como continente de articulação de um novo tempo para uma política de
desenvolvimento. E ele viu, naquele momento, uma formulação da política externa
independente do Governo Brasileiro. Ele teve encontros com o Presidente da
República, encontros promovidos, inclusive, por meu intermédio. E esse é um
aspecto que eu sei que não é muito conhecido. Quer na biografia do Professor,
quer nos documentos do ltamarati.
O
Professor Agostinho foi importantíssimo quando chamou a atenção dos brasileiros
para o que representava uma política de desenvolvimento num mundo que tendia
para a globalização. Ele previu com todas as suas nuances e conseqüências. E
também fez despertar a nossa consciência, brasileira sobretudo, mas lusófona,
com relação à África. Foi ele que, pela primeira vez, naquele tempo, chamou a
atenção para as nossas raízes. E além disso, dava uma palavra segura de
advertência com relação ao nosso futuro. E entendia que era importante fazermos
uma política de unidade, de fundamento da nossa língua comum. E isso foi uma
abordagem que passou a ser feita e que chegou, inclusive, à Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa, a CPLP. Mas
na realidade, o verdadeiro formulador, o homem que deu esse fundamento
filosófico, essa mensagem integradora do ponto de vista político, foi o
Professor Agostinho da Silva. Ele foi o grande formulador de um tempo novo na
lusofonia.
A
ideia da CPLP surgiu no fim da década de 50, início da década de 60. O Jânio
foi presidente da República exactamente nesse período. Renunciou à Presidência em
61. O Agostinho influiu muito nessa formulação, numa nova política externa do
Brasil, com olhos inclusive integradores. No entanto, não há registro, no
ltamarati, a respeito disso. Embora a ideia da CPLP seja da década de 60 só é
institucionalizada em 1996, quando eu era embaixador em Lisboa e o Mário Soares
era Presidente da República. Na realidade, aquela proposta era fundamental para
os países de língua portuguesa e para a lusofonia. Para eu afirmar um movimento
dessa natureza tinha que ter um compromisso missionário com o Professor
Agostinho da Silva. Afinal, ele ensinou-me a importância da força da
destinação.
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Texto recolhido da obra
IN MEMORIAM de AGOSTINHO DA SILVA.
Organização de Renato Epifânio, Romana Valente Pinho e Amon Pinho Davi.
Portugal: Zéfiro, 2006, pp. 247-249.
Imagem: logo oficial da CPLP.
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