BORGES.
É vasta a nossa população de mortos.
O mundo, Borges,
infinita biblioteca, além – é
claro – de tigres,
espelhos, labirintos,
punhais, livros, proféticos
sonhos, Homero, Camões,
outros cegos – você,
a sombra enaltecida não é
sombra,
claridade de alguns
labirintos,
portas, enigmas decifrados,
alta capacidade mnemônica.
Somos poucos, somos tão
poucos,
e parecemos muitos.
“Alguém constrói Deus na
penumbra”, escreves sobre Spinoza.
Amor?
É o Espírito Santo que nos
escreve?
A literatura como
sedução/invenção: a vida só não basta.
Irmão: fazedor de enigmas,
decifrador de
espelhos,
contemplador de
tigres,
este punhal que manejo agora:
a construção do poema.
Nada podemos contra a
solidão?
Shakespeare, Cervantes,
Stevenson, “As Mil e Uma
Noites”, a Bíblia, e toda as
obras desta estirpe de
mortos, mas que não inventam
o silêncio: estão aqui nos livros lemos.
Somos poucos, mestre, somos
tão poucos, mas não sozinhos,
parecemos muitos.
Estás junto aqui, agora,
comigo,
neste maio,
luminosa manhã planaltina
(poderia ser uma rua perdida
de Buenos Aires, ou da
Bahia, onde começamos).
Sim, é vasta a nossa
população de mortos,
Só queria pressentir tua
alma,
descobrir meus inquietos
córregos, pântanos.
Iluminas o breu, mágico cego,
singrando por outros mares,
sem portulanos, astrolábios,
também breve a vida,
vejo intrusos, lugares
remotos, mapas de
fronteira, duelos, a morte na
poeira,
ruínas e renascimento,
sombras dentro de sombras: este sol interior.
O mais pródigo amor te foi
outorgado
(como te referiste a Baruch
Spinoza):
o amor que não espera ser
amado.
Este poema, de Emanuel Medeiros Vieira,
obteve o 1° Lugar no Concurso Literário “Prosa
& Verso”,
certame de âmbito
Nacional promovido pela Universidade e pela Prefeitura de
Caxias do Sul, RS.
O mesmo texto – concorrendo com 751 trabalhos –
foi
classificado entre os 10 primeiros no Festival de Poesia
promovido pela
Funarte, Brasília.
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