23 de abril de 2011

Ressurreição

Bajo el Cielo (Pintura da artista argentina Marta Coll)


"Mas, sendo o Deus-Absoluto e a Trindade-Mundo simultâneos, como simultânea é a "expansão e a contração do Universo", natural é que tudo se processe simultaneamente em dois sentidos: o da passagem do absoluto ao relativo e o do trânsito do relativo ao absoluto, sendo o primeiro movimento o da passagem da liberdade ao determinismo e o segundo o processo inverso. Se na constituição do Deus-Absoluto como Trindade-Mundo a lei é o determinismo, podendo matematizar-se o real, já "ao retrair-se o Universo, ao passar a Trindade a Deus, [...] restabelece-se como lei a liberdade e o que depois surge pode ser totalmente diverso". Ou seja, na sempiterna e instantânea pulsão reintegrativa do criado no incriado, isto é, em mais radical instância, na decriação de Deus como criador, ou, pura e simplesmente, na decriação de Deus, no recolhimento da trinitária e cosmicizante auto-consciência divina, para além mesmo da sua paraclética unidade, à sua intimidade imanifestada, exuberante de virtualidades inatualizadas, tudo volta a ser possível e um mundo realmente novo pode advir que não seja uma mera reorganização do anterior, embora exteriormente o possa parecer. Há em tudo, a cada instante, como se pode verificar na experiência humana, a possibilidade de um início radical, a possibilidade da explosão de algo de absolutamente inédito. O que Agostinho tematiza em termos de salto quântico, por "uma concentração suprema do espírito" e da vontade, que transforme o sujeito e o mundo, ou de "estradas de Damasco", a cada momento entreabertas, onde, porventura já sem querer, se dá a metanóia pela qual "um homem se aniquila" e "outro diferente, até contrário, surge". Como conclui: "O Universo, a nós nos incluindo, não é estático: vai e vem, sobe e desce".


("Criação e Mística em Agostinho da Silva", in TEMPOS DE SER DEUS/A Espiritualidade Ecumênica de Agostinho da Silva, de Paulo Borges, Lisboa: Âncora Editora, 2006.)



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