19 de junho de 2011

A CAS em torno da Galiza



Por Artur Alonso Novelhe

O mundo muda. Galiza Muda. O galeguismo também está a mudar ao ritmo das novas achegas, que dentro de diferentes campos, vão de seguro mudar paradigmas, tanto históricos, como políticos e, portanto, estratégicos.
A mudança histórica tem muito a ver com as evidências de continuidade que tanto no campo da arqueologia, como na toponímia, como da linguística, agora auxiliadas pela contribuição da ciência médica, se vem desenrolando nos últimos decénios.
Investigações e laboriosos estudos históricos e arqueológicos, como os efetuados pelos doutores Higino Martins Esteves, Pena Granha e Branca Fernandez Albalat entre outros, têm demonstrado a continuidade céltica da área atlântica em que se inclui a Galiza. Sendo o noroeste peninsular a matriz desse mundo. As achegas cientistas efetuadas, na Europa pelo doutor Sykes da Oxford University, ou o Trinity College na Irlanda, verificam cientificamente esta hipótese, segundo a esteira das iniciadas por Cavalli-Sforza. Do mesmo jeito se tem comportado a linguística nos seus diferentes estudos, desde os realizados por Robert Omnes, que reforçam a ideia de um pensamento cognitivo comum no mundo celta, ou mesmo do ponto de vista da Teoria da Continuidade Paleolítica referendada entre outros por Allinei, Benozzo e Xabiero Ballester, todas estas achegas científicas demonstram a continuidade cultural e linguística da área atlântica onde a Galiza Histórica e Contemporânea deve ser inserida de pleno direito. Neste campo também destacar os estudos do Prof. Martins Esteves, que dão originalidade ao nome céltico Callaica, com o significado de terra mãe, e os callaicos como filhos da mesma.
Este contínuo histórico vai seguir um percurso próprio durante a época romana, como estão a pôr em causa novas pesquisas, entre elas a realizada pelo professor Marcial Tenreiro da Universidade da Crunha. Não todo deve ser neste período atribuído à presença de Roma.
A já inegável irrupção do reino galego dos suevos, como primeiro reino independente a formar-se na Europa dentro dos limites do império romano, contempla agora essa continuidade de arraigo desde tempos paleolíticos e mesolíticos, ao adaptar, este reino, a sua divisão geográfico-administrativa das comarcas à realidade própria de povoamento ancestral herdada pelos galegos. Precisamente esta divisão sueva nascida do parrocchiale suevum, continua ainda muito viva no Portugal das freguesias.
A Idade Média toma outra dimensão também à luz dos novos documentos e trabalhos; assim as provas achegadas por novas leituras como a do prof. Anselmo Lopez Carreira deitam por terra, os já por si escassos apoios que a teoria da “Reconquista” tinha entre a maioria dos especialistas da Europa. E mais, a Galiza Medieval é o reino que assume a relevância durante este espaço histórico junto com o Al-Andalus dos Califas Omeyas. Negar esta evidencia é negar as próprias crónicas e documentos andalusis, assim como os do papado, do Império Carolíngio ou mesmo as sagas viquingues. A luta da nobreza galega pelo domínio do espaço peninsular se alargaria até mesmo a época dos Reis Católicos. Nesta estratégia de supremacia atlântica em contraposição à visão da Ibéria Mediterrânea (muito desenvolvida por Aragão), e o mais tardio conceito continental Europeu, que vão introduzir os Hasburgo, Galiza sempre tendeu pontes económicas e alianças duradouras com os mais poderosos reinos atlânticos da época, nomeadamente Borgonha, Inglaterra e Portugal.
E nesta voragem de factos que estão a ver a luz com maior intensidade durante este começo de século, não poderíamos esquecer a revisão dos chamados “séculos escuros” onde nos encontramos com elementos tão interessantes como os que nos descobre o próprio Prof. Pena Granha nos seus trabalhos desde o concelho de Narom, do padecer, sofrimento e imensas perdas económicas que todo o litoral crunhês teve como consequência da política de guerra de Felipe II e a famosa construção da sua temível “Armada Invencível”; truncando laços comercias com as ilhas britânicas que se remontavam à noite dos tempos.
De igual jeito poderemos destacar o papel primórdio que o reino da Galiza jogou na expulsão dos franceses da Península, sendo o primeiro país da Europa a desalojar o exército napoleónico do seu território, quatro anos antes de ser expulso do resto do território peninsular e permanecendo durante este período de tempo em total autogoverno, dirigido pela Junta da Galiza, que tanto assinava acordos internacionais como organizava o território ou arrecadava impostos; com sede primeira em Lobeira e depois na Crunha. Sendo este mesmo exército quem, ao vencer os franceses na batalha de São Marcial, definitivamente expulse o invasor, como o próprio Almirante Wellingtong testemunha. E de novo nesta época a aliança atlântica restabelecida, que vai dar benefícios a toda a Espanha no seu conjunto.
Factos desta e outra natureza fazem-nos lembrar que a Galiza tem uma história de si, nem superior ou inferior à de nenhum povo, mas com elementos próprios que fazem do povo galego um ser com identidade milenar.
A mudança do paradigma político tem a ver com esta base histórica e a suas alianças culturais e económicas lógicas num país situado nestas latitudes.
Como país Europeu e com essência indo-europeia, a Galiza desenvolveu um sistema económico e de relações sociais onde o indivíduo como ser tem direito à propriedade desde os princípios organizativos da treba céltica. Os Impérios Asiáticos desenvolveram autocracias onde a vida do indivíduo dependia em grande parte das necessidades dos monarcas. Em base ao crescimento populacional, baseado na ampliação das culturas máximas como o arroz, os monarcas orientais foram capazes de construir imensos exércitos e desenvolver grandiosas proezas da engenharia como a muralha chinesa. Capazes de realizar extraordinários avanços técnicos, mas com picos de desenvolvimento não prolongados no tempo e depois descidas à situação anterior enquanto a inventiva e inovação individual e coletiva chegava ao ponto de ameaçar o domínio inquestionável do Imperador sobre todos os seus súbditos. Factos que só podem ser explicados à luz do domínio absoluto das classes sociais cortesãs, que decidiram sempre quando essa inventiva deveria ser relegada, e dizer quando a técnica chegara ao topo do qual não poderia passar a não ser precipitando a queda ou conversão do próprio Estado totalitário.
A Europa, que já na época grega se confrontara com a Ásia, desenvolveu no mediterrâneo um modelo de cidade-estado onde o cidadão livre tinha a decisão e voto, apesar de economicamente estar sustentado pela escravidão. Este modelo nunca foi idílico e as mais das vezes o mundo grego cai na tirania, sendo a chacina uma das formas mais usuais de desatar o poder nu dos governantes tirânicos. Mas o espírito republicano perdurou e apesar das derivas Imperiais, primeiro de Alexandre Magno e depois do Império Romano, ficando intato até a Renascença Italiana do século XVI (lembrar que na Itália da renascença a tirania e poder nu estiveram também muito presentes, mas já na figura do senhor feudal e das famílias medievais, das quais nasceriam a moderna figura do banqueiro). Daí passaria ao resto da Europa e chegaria à fachada atlântica, renovado pelas achegas que logo lhe fariam a Reforma Religiosa, e mentalidade grupal do clã caraterística destes territórios. É óbvio que a igreja católica, nascida ao abrigo do Império Romano, replicaria mimeticamente a estrutura própria do estado Imperial, e com a imposição do celibato criaria um forte mecanismo de integração e controlo desde a cúpula, que seria muito eficaz para a formação dum poder que vai ser hegemónico durante toda a Idade Média. No entanto, seriam os países que aderiram à reforma protestante os que levariam anos mais tarde o peso da inovação e a modernidade, que fariam da Europa o grande dominador global, se bem foram os países ibéricos achegados ao papado quem inaugurariam esse domínio global das potências europeias.
A revisão histórica da Idade Média Europeia, traz à luz novos acontecimentos que dão também um giro ao paradigma geoestratégico que mais tarde se daria com o deslocamento do Islão como centro do mundo. Enquanto o Islão não foi capaz de aproveitar os descobrimentos feitos na sua expansão, nem de adaptar essas inovações de modo a revolucionar o seu sistema político e social, devido, em parte, ao peso da religião nos últimos tempos do seu predomínio, e em parte à mentalidade de Guias absolutos que os seus califas assumiam seguindo a mais pura tradição árabe, de princípios da conquista; em contra posição os condados europeus da Idade Média foram um contínuo abrolhar da iniciativa privada e coletiva (de tipo cooperativo) que revolucionaria as suas sociedades.
Relegado o Islão, adormecido o Oriente sobre si mesmo, os europeus tinham as portas abertas para completar a sua primeira missão envolta no embrulho civilizador, mas claramente dominadora. Portugal foi capaz de dominar todo o Índico e o Oriente até o Japão por umas décadas, algo que não seria possível ou se complicaria muito se antes a frota chinesa que comandava essas águas, por decisão Imperial, não tivesse sido completamente retirada; acontecimento completamente inconcebível a não ser à luz do primordial interesse imperial chinês, voltado ao controlo interno da sua população e dos seus súbditos mais poderosos.
A Europa fez-se então facilmente com estes domínios oceânicos, e nos séculos a seguir fez o seu domínio intensivo, opressivo e esmagador.
A Rússia tentou a modernização na figura terrível de Pedro I o Grande, e depois com Catarina passou a consolidar o Império mais extenso da época. Mas nunca deixou de manter a estrutura feudal baseada na escravatura, com um modelo de autocracia mais próximo do oriente que dos modelos tirânicos europeus, mesmo os mais absolutistas.
Assim foi-se alastrando através dos séculos até a chegada da Revolução de Lenine em Outubro de 1917. Polémicas à parte de se a implementação duma sociedade socialista era viável ou não na Rússia, o certo é que a estrutura administrativa de dominação czarista jamais foi devidamente substituída, e com a chegada ao poder de Estaline, ao invés, aprofundada. Esta herança do Partido Comunista soviético invadiu grandes áreas do globo através do contágio dos seus homólogos partidos satélite. A Galiza não foi a exceção e alguns partidos galeguistas e nacionalistas copiaram este modelo que ainda dura até os nossos dias. Este modelo supõe que o partido deve controlar e implantar-se dentro das organizações sociais, podendo ser criadas por ele e depois funcionar de cadeias transmissoras das suas diretrizes ou bem tomando o controlo organizativo das, até então, organizações independentes, e integrando-as, mais tarde, na rede partidária. Esta forma de pensar e fazer política elimina a livre iniciativa dos coletivos, assim como dos indivíduos, e é incompatível com o caráter “callaico” de homem de clã com direito à posse individual dos bens que o grupo considere próprios à pessoa como ente.
Isto não quer dizer que o socialismo fosse irrealizável na Galiza, mas sim que nunca poderia ser marcado como ideal o herdado da autocracia soviética.
Na atualidade, desde a entrada da Espanha e Portugal no seio da União Europeia e a criação das Eurorregiões, a Galiza já não pode basear as suas estratégias político-económicas na simples tentativa de superação da sua peculiar e hipotética localização periférica a respeito do centro peninsular.
Com a entrada em vigor da Globalização, que irrompe com força desde fins dos anos 80 e princípios dos 90 do século passado, a Eurorregião Galiza–Norte de Portugal (que coincide mais ou menos com o espaço territorial das onaiko Ártabra e Groiva, e parte da onaiko Astúrica; assim como com os conventos Lucense e Bracarense) tem um papel central, tanto pela sua posição no Atlântico Norte, pela conexão marítima que isto implica, assim como por ser de modo natural esta área calaica a ponte idónea para as relações culturais atlânticas entre o mundo lusófono, céltico e anglófono e o mundo hispano.
Resumindo, a nova estratégia do Galeguismo do S. XXI deve considerar estes factos e ter em conta a sua correta evolução histórica para, à luz duma nova interpretação, criar uns renovados pilares de definição do galeguismo a nível estratégico global e local.
1. A Identidade galega devém da identidade calaica criada no noroeste peninsular, quer dizer, de um contínuo histórico que chega até os nossos dias.
2. A história da Galiza é tão rica como a de qualquer outro povo, e Galiza tem sido em diferentes períodos históricos referente principal e ator privilegiado no acontecer europeu, tanto na Idade Média, cuja importância fica referida pelos distintos documentos que falam da sua relação com o papado, com o Império Carolíngio, com os países escandinavos e mesmo com Bizâncio, quanto nas guerras napoleónicas, como testemunham certeiramente os estudos do Prof. Ernesto Vázquez Souza.
3. Necessidade de renovar a eterna aliança com o mundo atlântico e as ilhas britânicas
4. Necessidade de renovar a velha aliança com o mundo Lusófono e Portugal.
5.- A defesa no quadro peninsular duma cultura especificamente atlântica e a luta pela consagração desse espaço vital para o desenvolvimento económico e cultural galego.
Tomando estes vetores, sendo também a Galiza a matriz do mundo lusófono, e o berço donde evoluiu, a partir do s. XII, a sua posterior independência a Galiza Bracarense, ou Porto Calem, que logo se constituiria na unidade do reino de Portugal, não pode ficar presa esta língua comum a ambos os lados do Minho, de normativas isolacionistas e deve procurar iniciativas que tendam a inserir a língua no tronco comum, evitando táticas que a afastem do seu rico quadro cultural luso e atlântico, quando por todo o globo se estão a dar reações contrárias, que visam unificar as línguas em clave de reintegração.
Pelo qual devemos encorajar o movimento galeguista a nível particular, e institucional se for o caso, a implementar o Novo Acordo Ortográfico, que está a ser assinado por todos os países galego-falantes ou luso-falantes, pois este deve ser um vetor fundamental do novo galeguismo, sem o qual num mundo globalizado as perspetivas duma língua construída a base de provas de laboratório, e isolada do quadro de referência, convivência e enriquecimento mútuo, são escassas ou nulas.
O galeguismo, pois, não sendo propriedade de nenhum grupo político, económico, social ou organizativo, será estruturado conforme a livre visão de cada movimento e os seus legítimos interesses, mas implementado este vetores fundamentais sem os quais será muito difícil renovar o pensamento e praxe errónea que até agora tem dominado o mundo galeguista.

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